31 de jul. de 2009

(..) O que é essencial é sentir directamente e com ingenuidade as coisas - árvores ou máquinas, campo ou cidade. A m[inha] sensibilidade predispõe-me a sentir a máquina mais do que a árvore, a cidade mais do que o campo. Não deixo por isso de ter direito ao nome de poeta.

O essencial é sentir directa e simplesmente. Eu sinto directa e simplesmente. Sinto o complexo, o anormal e o artificial? É o meu modo de sentir. Logo que eu os sinta espontaneamente, estou no meu lugar, no lugar que a Natureza, criando-me assim, me impôs. Cumpro o meu dever. Chamam-me um «transviado». Não o sou. [...] Nasci para sentir as coisas simplesmente, tanto como vós; eu não nasci, como vós para sentir só as coisas simples. Se eu sou eu e não vós, para que hei-de escrever como escreveis? Escrevo [...] em mim é eu ser eu. Em que sou eu «transviado» em ser eu?

Para mim o único modo de transviar é criar um sistema, ou pertencer a um sistema. Há horas do dia em que sou materialista [?] e outras em que sou ultramontano, completamente ultramontano. É conforme sinto. Acho isto natural.

Se, como a grande maioria da gente, eu [...], se eu fosse panteísta, espiritualista, protestante, católico (...), qualquer coisa que se saiba o que é e se pode definir, eu mereceria o nome de transviado. Apenas vejo nunca pertencendo a um sistema ou a uma filosofia, mas pertencendo a um cérebro e a um sistema nervoso, e estes têm um modo de sentir e não uma religião, ou uma estética, ou uma moral qualquer.


Fernando Pessoa, sendo Álvaro de Campos

1 comentários:

____ disse...

Nada supera a sensibilidade.

Sensibilidade é um dom, mas tem gente que aprende com o tempo.

Pensaram por aqui

 

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