30 de dez. de 2009

Toco
sinto
ando
tanto
que parto.
Volto
fico
aqui.
Quero
o toque
de teus cabelos
sentir
teu cheiro
e me encher
de ti.


Alice Ruiz

29 de dez. de 2009

hoje ácido
amanhã árido
tragicamente vulcânico
romântico talvez
entrementes ardente
organicamente carente
geometricamente incongruente
todavia absorvente
tristemente contente
teoricamente presente
tecnicamente ausente

Izabel Lisboa

28 de dez. de 2009

'A única alegria neste mundo é a de começar.
É belo viver, porque viver é começar,
SEMPRE ,
a cada instante.'


Cesare Pavese

25 de dez. de 2009

Jamais poderei renunciar ao sentimento de que aí, encostado à minha cara, entrelaçado nos meus dedos, existe algo como uma deslumbrante explosão em direção à luz, uma irrupção de mim para o outro e do outro em mim, algo infinitamente cristalino que poderia coagular e transforma-se em luz total sem tempo nem espaço. Como uma porta de opala e diamante a partir da qual se começa a ser aquilo que se é verdadeiramente e que não se quer e que não se sabe e que não se pode ser.

Júlio Cortazar



*Aos meus caros leitores, cúmplices na poesia, desejo um novo ano com muitas evoluções e grandes interpretações das palavras/vidas que estão por vir.

Camila Karina

23 de dez. de 2009

Eu te espero
porque o grito dos teus olhos
é mais
longo que o braço da floresta
e aparece atrás
dos montes, dos ventos
e dos edifícios
e o brilho do teu riso
é mais
quente que o sol do meio-dia
e mais e mais
Mas eu te espero
na porta das manhãs porque
o grito dos teus olhos
é mais e mais e mais

Tom Zé

20 de dez. de 2009

Pegar as pedras fortemente, apertá-las contra o peito, comprimir a cabeça e o corpo inteiro contra as árvores, pisar descalço na terra, colocar balas e doces (sempre em número ímpar) ao pé das árvores grandes para os duendes e devas e erês comerem e ficarem teus amigos, deixar na cabeceira toda noite copos de água com acúcar para as fadas virem beber de madrugada.

Acender velas para chamar LUZ, jogar rosas amarelas nas águas dos rios para Oxum.
Coisas assim: ritualizar, para dialogar com O Mistério. Para que ele te/nos proteja.

Coisas claras, panos brancos, incensos e flores.

Purificar, purificar o que na essência da nossa condição humana é pura e medonha treva de desconhecimento de todos os porquês.¨

Caio Fernando Abreu
'Despedir dá febre'


Guimarães Rosa

16 de dez. de 2009

"Que tudo seja leve
de tal forma
que o tempo nunca leve."

(Alice Ruiz)

14 de dez. de 2009

'Ah, eu mordo, mordo a vida como uma maçã suculenta. Brinco com ela feito um peixe e sou feliz. E o que é ser feliz? É seguir sempre em frente. Há algo melhor a ser feito do que aquilo que já fiz, e impulsionada pela ilusão favorável do progresso, buscarei progredir, fincarei as esporas em meu flanco, mais e mais - até aprender. Sempre. '



Sylvia Plath
"Nos outros eu sei onde se abriga o coracão, é no peito; em mim a anatomia ficou toda louca, eu sou todo coracão"


Maiakovski

11 de dez. de 2009

E por isso lhe ocorria agora aquilo que, na verdade, deveria ter lhe ocorrido logo no início: se alguém não tem domínio sobre si, jamais poderia ter alcançado a singularidade. E, afinal, quem é que se dominava de verdade? Quem é que tinha a perfeita consciência de si, da solidão absoluta que significa nem sequer contar com a própria companhia, que significa ter de entrar num cinema ou num bordel, ou em casa de amigos ou numa profissão absorvente ou, ainda, no matrimônio para estar, pelo menos, só entre os demais?


Júlio Cortazar

10 de dez. de 2009

Caros leitores, agora tenho uma galeria para registrar os Paralelos do Cotidiano em fotografia.

Visitem: http://br.olhares.com/ckpolvora




9 de dez. de 2009

As palavras parecem cinzas de cigarro levadas pelo vento, asfixiando minha respiração

Tento tossir para expelir as angustias que pesam no escudo vital, sem êxito

A solução é derramar o sal dos olhos para amenizar os poros em alto relevo doloridos

Encaro de frente.

Quantas vezes mais é necessário passar pelos exames dos sentimentos até chegar à um diagnostico tranquilo?

Com um novo médico? Ou um novo pulmão?


Camila Karina

7 de dez. de 2009

A frescura de impressões, o modo directo de sentir que aprendi nos seus versos, apliquei-o a outros assuntos, a uma Natureza de ordem diversa. Assim, reparei que uma máquina é tão natural - porque é tão real, e, afinal, ser natural é ser real, se fôssemos a pensar a fundo - como uma árvore; e uma cidade como uma aldeia. O que é essencial é sentir directamente e com ingenuidade as coisas - árvores ou máquinas, campo ou cidade. A m[inha] sensibilidade predispõe-me a sentir a máquina mais do que a árvore, a cidade mais do que o campo. Não deixo por isso de ter direito ao nome de poeta. O essencial ésentir directa e simplesmente. Eu sinto directa e simplesmente. Sinto o complexo, o anormal e o artificial? É o meu modo de sentir. Logo que eu os sinta espontaneamente, estou no meu lugar, no lugar que a Natureza, criando-me assim, me impôs. Cumpro o meu dever.

Chamam-me um «transviado». Não o sou. [...] Nasci para sentir as coisas simplesmente, tanto como vós; eu não nasci, como vós para sentir só as coisas simples. Se eu sou eu e não vós, para que hei-de escrever como escreveis? Escrevo [...] em mim é eu ser eu. Em que sou eu «transviado» em ser eu?

Para mim o único modo de transviar é criar um sistema, ou pertencer a um sistema. Há horas do dia em que sou materialista [?] e outras em que sou ultramontano, completamente ultramontano. É conforme sinto. Acho isto natural.

Se, como a grande maioria da gente, eu [...], se eu fosse panteísta, espiritualista, protestante, católico (...), qualquer coisa que se saiba o que é e se pode definir, eu mereceria o nome de transviado. Apenas vejo nunca pertencendo a um sistema ou a uma filosofia, mas pertencendo a um cérebro e a um sistema nervoso, e estes têm um modo de sentir e não uma religião, ou uma estética, ou uma moral qualquer.


Álvaro de Campos

2 de dez. de 2009


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


Ferrera Gullar


1 de dez. de 2009

Subir até o azul,
descer até o inferno,
são coisas simples
que no fundo, eu queroIr, sem ir. Ficar,
passando. Passar assim,
como quem passa,
amando.

A viagem que não fiz
dói dentro de mim
assim como a raiz
de uma árvore sem fim.

-leminski
"Depois que um corpo
comporta outro corpo
Nenhum coração
Suporta o pouco"


Alice Ruiz

29 de nov. de 2009

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.



Carlos Pena Filho

26 de nov. de 2009

Vim aqui para não esperar ninguém,
Para ver os outros esperar,
Para ser os outros todos a esperar,
Para ser a esperança de todos os outros.
Chegam os retardatários do princípio,
E de repente impaciento-me de esperar, de existir, de ser,
Vou-me embora brusco e notável ao porteiro que me fita muito mas rapidamente.

Regresso à cidade como à liberdade.

Vale a pena sentir para ao menos deixar de sentir."


Álvaro de Campos

25 de nov. de 2009

My first and last time with you
and we had some fun
went walking through the trees
and than i kissed you once
oh, i want to see you soon
but i wonder how
it was a new day yesterday
but it's an old day now

spent a long time looking
for a game to play
my luck should be so bad now
to turn out this way
oh, i had to leave today
just when i thought i'd found you
it was a new day yesterday
but it's an old day now


*Música da banda Jethro Tull, que estou ouvindo mil vezes

24 de nov. de 2009

"Quando te vi amei-te já muito antes:
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há cousa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que o não fosse porque te previa..."


A Falência do Prazer e Do Amor - Terceiro Tema

23 de nov. de 2009

vão é tudo
que não for prazer
repartido prazer
entre parceiros

vãs
todas as coisas que vão


Paulo Leminski

21 de nov. de 2009

Alguém em algum momento tem um tempo por mais que seja o mínimo infeliz.

O que fazer com essas peque nas pedrinhas de dor?

- Jogar fora pela janela

Vão atingir alguém! Ou causar o tropeço do outrém, um passo em falso.

Sem pedrinhas não haveriam matériais suficientes para construir alicerces, nem motivos para ficar atento.

Nem sapatos para proteger os pés

Nem mãos que aparem a queda e você possa se reerguer.


Camila Karina

20 de nov. de 2009

O ritmo paragráfico tem sido mal recebido, e, em parte, compreende-se porquê. No caso de Whitman, a incompreensão — que em todo o caso não foi grande, e com certeza não foi geral — explica-se pela novidade, não só do próprio ritmo (aliás pressentido por vários, como Blake, (...), mas da matéria, pois foi Whitman o primeiro que teve o que depois se veio a chamar sensibilidade futurista — e cantou coisas que se consideravam pouco poéticas, quando é certo que só o prosaico é que é pouco poético, e o prosaico não está nas coisas mas em nós. Whitman, porém, desorientou porque apresentou duas novidades juntas. O mesmo ahurissement produzi eu com a minha Ode Triunfal, no Orpheu 1, visto que, embora escrita perto de setenta anos depois da primeira edição das Leaves of Grass, aqui ninguém sabia sequer da existência de Whitman, como não sabem em geral da própria existência das coisas.

Mas no caso dos decadentes e simbolistas franceses, a incompreensão do ritmo paragráfico, e a aversão a ele, teve outra origem. Os decadentes franceses usaram um ritmo irregular e sem rima para dizer asneiras: o conteúdo matou o continente. Compreende-se que o infeliz que tomou o conhecimento do ritmo irregular através das imbecilidades de Maeterlinck, nas Serres Chaudes, do delírio idiota de René Ghil, das assonâncias sem sentido de Gustave Kahn, identificasse aquela ausência de fundo com a ausência de ritmo, nem sempre existente, pois, por exemplo, Khan tem ritmos realmente impressionantes.

Isso, porém, nada tinha com o ritmo. Mallarmé, que escrevia em versos rigorosamente «clássicos», tinha a mesma nebulosidade de sentido, compelindo o leitor a decifrar charadas sem conceito ao mesmo tempo que procurava senti-las.

O ritmo paragráfico, quando realmente se obtém, varia com os seus práticos. Largo, complexo, curioso misto de ritmos de verso e de prosa, em Whitman; curto, hirto, dogmático, prosaico sem prosa, poético sem quase poesia, no mestre Caeiro; pitoresco vindo parar à incrível idiotia de Marinetti, cuja banalidade mental lhe não permitia inserir qualquer ideia no ritmo irregular, porque lhe não permitia inseri-la em coisa nenhuma e lhe chamou «futurismo», como se a expressão «futurismo» contivesse qualquer sentido compreensível. «Futurista» é só toda a obra que dura; e por isso os disparates de Marinetti são o que há de menos futurista.

Tomemos um exemplo, simples e breve, em Caeiro:

Leve, leve, muito leve, (...)


Álvaro de Campos

18 de nov. de 2009

"É fácil morrer. A toda hora, em todos os lugares, a morte está se oferecendo. Mais difícil é continuar vivendo. Eu continuo. Não sei se gosto, mas tenho uma curiosidade imensa pelo que vai me acontecer, pelas pessoas que vou conhecer, por tudo que vou dizer e fazer e ainda não sei o que será."

Caio F.

17 de nov. de 2009

eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito
eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões
em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois


Paulo Leminski

15 de nov. de 2009

o barro
toma a forma
que você quiser

você nem sabe
estar fazendo apenas
o que o barro quer


Paulo Leminski

11 de nov. de 2009

... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas .Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca. mais,se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.


Do livro "Confesso que Vivi — Memórias", Pablo Neruda


9 de nov. de 2009

Algumas doses de realidade para acordar e pisar em terreno desconhecido.

O universo sempre conspira para que eu me encontre com os dois caminhos para escolhas

A decisao é só uma, a particular, a única.

A verdade chegou até mim tão inocentemente, como não recepciona-la?

Parecia sensível e cruel, com uma ternura amarga despejando veracidades

É possivel ter emoção com os pés no chão?

Ela perguntou-me qual era minha opinião sobre seus presentes cortantes. Preferi tomar um copo d’ água antes de responder. A água limpa todos os canais internos do corpo, tinha esperança que limpasse também meus pensamentos.

Não fora eficiente, porém senti-me preparada para responder.

Recebi as coevas notícias, sem titubear, olhando firme. O impacto foi inevitável, era a verdade me visitando, uma honra e uma visita mau quista. Mas ela dizia que precisava me ver, que no fim das contas sempre é mau interpretada e muitos batem as portas em sua cara, a ignoram.

Fiquei surpresa. - Era verdade lamentando o desprezo das pessoas que não a queriam por perto.

Senti uma leve tristeza pela verdade, que parecia tão indefesa e carente de atenção.

Ouvi-a atentamente.

Ela deu-se conta de que eu prestara atenção em todo seu lamento e olhou-me com candura e frisou: “Sou como um xarope ruim para tosse, o inicio é amargo, mas é eficiente na cura dos males da garganta (ou de qualquer outra parte do corpo que eu possa influenciar)”.

E continuou: - As lágrimas seriam o efeito colateral desse xarope, mas eficientes na melhora do amadurecimento de pensamentos e sensações.

Levantou-se calmamente, deixando um rastro, não sei bem explicar de que e foi em direção às portas do vento.

Ela partiu. Mas antes de fechar as portas, (apesar dela já estar um pouco distante), gritei:

- Volte sempre!


Camila Karina

7 de nov. de 2009

Que ocupação maravilhosa é cortar a pata de uma aranha, metê-la num envelope, escrever Senhor Ministro das Relações Exteriores, acrescentar o endereço, descer a escada aos pulos, botar a carta no correio da esquina.

Que ocupação maravilhosa é ir andando pelo Boulevard Arago contando as árvores, e a cada cinco castanheiros parar um momento num pé só e esperar que alguém olhe, e então soltar um grito seco e breve, e girar como um pião, os braços bem abertos, igual à ave cakuy que se vê nas árvores do norte da Argentina.

Que ocupação maravilhosa é entrar num café e pedir açúcar, açúcar outra vez, três ou quatro vezes açúcar, e ir formando um monte no meio da mesa, enquanto cresce a fúria nos balcões e debaixo dos aventais brancos, e exatamente no meio do monte de açúcar cuspir suavemente e espiar a descida da pequena geleira de saliva, escutar o barulho de pedras quebradas que o acompanha e que nasce nas gargantas contraídas de cinco fregueses e do patrão, homem honesto em certas horas.

Que ocupação maravilhosa é tomar o ônibus, descer em frente ao Ministério, abrir caminho a golpes de envelopes com selos, deixar para trás o último secretário e entrar, firme e sério, na grande sala de despacho toda de espelhos, no momento exato em que um contínuo vestido de azul entrega uma carta ao Ministro, e vê-lo abrir o envelope com cortador de papel de origem histórica, enfiar dois dedos delicados e retirar a pata da aranha e ficar olhando, e então imitar o zumbido de uma mosca c ver como o Ministro empalidece, quer tirar a pata mas não consegue, está agarrado pela pata, e dar-lhe as costas e sair assobiando, anunciar nos corredores a renúncia do Ministro e saber que, no dia seguinte, entrarão as tropas inimigas e tudo irá para o inferno e será uma quinta-feira de um mês ímpar de um ano bissexto."

(Júlio Cortazar - In: Histórias de Cronópios e de famas)

5 de nov. de 2009

ave a raiva desta noite
a baita lasca fúria abrupta
louca besta vaca solta
ruiva luz que contra o dia
tanto e tarde madrugastes

morra a calma desta tarde
morra em ouro
enfim, mais seda
a morte, essa fraude,
quando próspera

viva e morra sobretudo
este dia, metal vil,
surdo, cego e mudo,
nele tudo foi e, se ser foi tudo,
já nem tudo nem sei
se vai saber a primavera
ou se um dia saberei
que nem eu saber nem ser nem era

[Paulo Leminski, do livro Distraídos Venceremos]

4 de nov. de 2009

If it gets you down well then I'll take it
If it gets you up well I don't want it
It let you down so broken hearted
If it gets you down well then I want it

If only we're nothing at all

So blow our mind and make it lazy
Those long long days with no escaping
I hold the wheel to let it go
Don't wanna stop, don't wanna know
If it gets you down, well just don't blame me

If only we're nothing at all

Queens Of The Stone Age

*Música que não sai da minha cabeça e do meu som!

2 de nov. de 2009

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

Júlio Cortazar

31 de out. de 2009

A: Você é meu companheiro.
B: Hein?
A: Você é meu companheiro, eu disse
B: O quê?
A: Eu disse que você é meu companheiro.
B: O que é que você quer dizer com isso?
A: Eu quero dizer que você é meu companheiro, Só isso.
B: Tem alguma coisa atrás, eu sinto.
A: Não. Não tem nada. Deixa de ser paranóico.
B: Não é disso que estou falando.
A: Você está falando do quê, então?
B: Estou falando disso que você falou agora.
A: Ah, sei. Que eu sou teu companheiro.
B: Não, não foi assim: que eu sou teu companheiro.
A: Você também sente?
B: O quê?
A: Que você é meu companheiro?
B: Não me confunda. Tem alguma coisa atrás, eu sei.
A: Atrás do companheiro?
B: È.
A: Não.
B: Você não sente?
A: Que você é meu companheiro? Sinto, sim. Claro que eu sinto. E você, não?
B: Não. Não é isso. Não é assim.
A: Você não quer que seja isso assim?
B: Não é que eu não queira: é que não é.
A: Não me confunda, por favor, não me confunda. No começo era claro.
B: Agora não?
A: Agora sim. Você quer?
B: O quê?
A: Ser meu companheiro.
B: Ser teu companheiro?
A: È.
B: Companheiro?
A: Sim.
B: Eu não sei. Por favor não me confunda. No começo era claro. Tem alguma coisa atrás, voc~e não vê?
A: eu vejo. Eu quero.
B: O quê?
A: Que você seja meu companheiro.
B: Hein?
A: Eu quero que você seja meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que eu quero que você seja meu companheiro.
B: Você disse?
A: Eu disse?
B: Não, não foi assim: eu disse.
A: O quê?
B: Você é meu companheiro.
A: Hein?
(ad infinitum)

(Morangos Mofados- Caio Fernando Abreu)

28 de out. de 2009

Que vaidade imaginar

Que posso dar-te tudo, o amor e a sorte

Caminhos, música e brinquedo.

É verdade que é assim:

É certo que tudo o que é meu te dou,

É certo,

Mas não te basta todo meu

Como não me basta que me dês

Todo teu.

Por isso não seremos nunca

O casal perfeito, cartão postal,

Se somos incapazes de aceitar

Que só na aritmética

O dois nasce do um mais um.


Júlio Cortazar

26 de out. de 2009

"(..) porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência."


Caio Fernando Abreu

23 de out. de 2009

Resumo, resenha, sintense. – Seja direto ; - Fale resumidamente: - Vá direto ao ponto.
Uma mania unanime de organizar em pequenas doses as sensações e atitudes alheias. O semelhante (?) estava interessado neste resumo? A unanimidade quer transcrever a si prórpio como vago e superficial, um limite de toques.

Um limite para se expressar.

Esperemos um pouco, tudo tem um limite!

Essa opressao das expressoes está fora de controle. No ringue estao limite x ilimitado.

As emoções assistem a luta, rindo e com a certeza de que elas não possuem nenhum manual, sem grades, explodindo válvulas pulsantes sem perda de tempo. E isso é só um resumo do que elas podem fazer.


Camila Karina

22 de out. de 2009

Ainda faltam muitos passos
para atravessar o saguão do mal-entendido.
Como não escorregar na cera
se os sentidos
já não me apóiam
e deslizam para longe
para todas as direções
como as contas de um colar
num chão de gelo
e nem o olhar consegue mais
alcançar, conter e contar
suas pérolas-lágrimas?
Como agarrar ou ser agarrado
nesse deserto triunfante
por alguma coisa que me ame?


Armando Freitas Filho
"A minha cabeça gira. Não, a minha cabeça não gira, a minha cabeça cresce e se derrama pela rua. E eu fico vendo as pessoas caminharem por entre os meus cabelos. No começo, elas têm alguma dificuldade, mas sorriem e vão afastando pacientemente os fios. Mas os fios aumentam e se tornam cada vez mais espessos, instransponíveis. E então as pessoas se enfurecem e apanham foices, tesouras, facas e agulhas e vão cortando e furando os meus cabelos que não páram de crescer sobre a cidade de pessoas enfurecidas."

Caio Fernando Abreu

21 de out. de 2009

"Deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado...(..) Tenho medo de já ter perdido muito tempo. Tenho medo que seja cada vez mais difícil. Tenho medo de endurecer, de me fechar, de me encarapaçar dentro de uma solidão -escudo".

Caio Fernando Abreu
Acordo um pouco cansada de uma batalha travada há tempos.

Olho em volta, todos os soldados, companheiros fiéis da empreitada descansam.
Os semblantes espelhados em mim,mostram um leve sorriso que por trás omitem uma insólida descrença.

Acordei cansada e não acreditando em nada. Porque afinal as batalhas são travadas e morrem tantas emoções perenes do ser humano? Caminho no campo de combate observando o que me foi dado e o que me foi tirado, sem nenhuma conclusão aparente, imperceptível pela consciencia apressada.

Sinto um vazio em meio a sensação de vitória. Uma vitória isolada, sem comemoração mútua. Poderia me dar por satisfeita, afinal vencer instiga o homem e alimenta o ego, então me questiono e procuro a satisfação elementar para travar novas pelejas.

Acordei e sentia os raios solares penetrando em meus olhos como agulhas afundadas na pele, não queria abrir os olhos, eu sabia que a batalha tinha terminado e sem outro vencedor além de mim.

Ganhei a batalha.

Após refletir sobre a descrença, acreditei na fidelidade de meus companheiros. Honestamente os abracei e olhei em seus olhos (dentro de mim), todos me olhavam atentamente. Era eu, frente a frente de mim, e disse pausadamente à todos com voz suave: Esta foi uma grande guerra fria e ainda permanece do lado oposto.



Camila Karina

19 de out. de 2009

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.

De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.

Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

Caio Fernando Abreu

17 de out. de 2009

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem.
Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas.

Sempre ele, Fernando Pessoa

15 de out. de 2009

"Fico tão cansada às vezes, e digo pra mim mesma que está errado, que não é assim, que não é este o tempo, que não é este o lugar, que não é esta a vida. E fumo, e fico horas sem pensar absolutamente nada: (...)
Claro, é preciso julgar a si próprio com o máximo de rigidez, mas não sei se você concorda, as coisas por natureza já são tão duras para mim que não me acho no direito de endurecê-las ainda mais.

Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos eletrônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva pra Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo bem.

...Sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu Deus como você me doía de vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes pra abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando e pensando meu Deus como você me dói de vez em quando"


Caio Fernando Abreu

14 de out. de 2009

Caminho entre limites
a certeza e o talvez
o quando e o por que
uma pedra rolando
na calçada do meu pensar
a eterna jornada
uma vida inteira:

a caminhada
que nunca termina...




Ricardo Leal
Já entendo certas gravuras
mas não sei quem embaralha,
que anverso tem a medalha
cujo verso é minha figura.

Na outra face da lua
dormem os números do mapa;
brinco de encontrar nessas cartas
a que cegamente me inclua.

De tanta alegre insensatez
nasce a areia da passagem
para o relógio do que amei,

mas não sei se a mão é dada
pelo anjo ou pelo acaso,
se estou jogando ou sou as cartas.

Júlio Cortázar

13 de out. de 2009

Te amo por sombrancelha, por cabelo, te debato em corredores branquíssimos
onde se jogam as fontes de luz,
te discuto em cada nome, te arranco com delicadeza de cicatriz,
vou pondo em teu cabelo cinzas de relâmpago e fitas que
dormiam na chuva.
Não quero que tenhas uma forma, que sejas precisamente o que
vem atrás da tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões quando se dissolvem
no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitetura do nada,
acendendo suas lâmpadas no meio do encontro.
Todo amanhã é o quadro onde te invento e te desenho,
disposto a te apagar, assim não és, muito menos com esse cabelo liso,
esse sorriso.
Busco tua soma, a borda da taça onde o vinho é também a lua e o espelho,
busco essa linha que faz o homem tremer
numa galeria de museu.
Além do mais te amo, e faz tempo e frio.

10 de out. de 2009

Um nó na garganta

As águas das pupilas que não desaguam

Um embrulho no estômago de socos da realidade pulsante

A gravidade sobrepondo-se na cabeça até que a sensação de explosão conclua-se internamente

Todos os globulos vermelhos convergindo-se para o orgão maior e menos visível

A temperatura efervecente como um anestésico.

Fecho os olhos.


ck

8 de out. de 2009

I can't believe that life's so complex

When I just want to sit here and watch you undress

I can't believe that life's so complex

When I just want to sit here and watch you undress

This is love, this is love

That I'm feeling

This is love, this is love

That I'm feeling

This is love

That I'm feeling

Does it have to be a life full of dread

I wanna chase you round the table, I wanna touch your head

Does it have to be a life full of dread

I wanna chase you round the table, I wanna touch your head

This is love, this is love

That I'm feeling

This is love, this is love

That I'm feeling

This is love

That I'm feeling

I can't believe that the axis turns on suffering

When you taste so good

I can't believe that the axis turns on suffering

When my head burns

Love, love, love

That I'm feeling

This is love, this is love

That I'm feeling

This is love, love, love

That I'm feeling

Even in the summer

Even in the spring

You can never get too much of

A wonderful thing

You're the only story that I never told

You're my dirty little secret, wanna keep you so

You're the only story that never been told

You're my dirty little secret, wanna keep you so

Come on out, come on over, help me forget

Keep the walls from falling as they're tumbling in

Come on out, come on over, help me forget

Keep the walls from falling on me, tumbling in

Keep the walls from falling as they're tumbling in

This is love, this is love

That I'm feeling

This is love, this is love

That I'm feeling

This is love, this is love

That I'm feeling

This is love, love, love

That I'm feeling


*Música de Pj Harvey

6 de out. de 2009

Agora escrevo pássaros.
Não os vejo chegar, não escolho,
de repente estão aí,
um bando de palavras
a pousar
uma
por
uma
nos arames da página,
entre chilreios e bicadas, chuva de asas,
e eu sem pão para dar, tão somente
deixo-os vir. Talvez
seja isto uma árvore,

ou quem sabe,
o amor.


Júlio Cortázar

5 de out. de 2009

"Me olhas, de perto me olhas, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam entre si, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas onde um ar pesado vai e vem como um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água."

Júlio Cortázar

4 de out. de 2009

A máquina de pensamentos acaba nos impulsionando ao afunilamento de idéias. Será que esses pensamentos andam paralelamente com os sentimentos?

Talvez os pensamentos possam confundir. Mas o sentir? Quem é o gerenciador da roleta russa das emoções?

É inevitável você sentar, excitar todos os cinco sentidos em busca do feed back. E quando os espelhos do outrem não refletem isso, o que podemos fazer?

Criar personagens e de alguma forma salvar a sí mesmo de se perder nesta empreitada? Sinceramente, não sei a resposta para nenhuma destas perguntas. A intuição ainda é o livro salva-vida de bolso mais eficaz, o autor é o coração, geralmente ele acerta.


Mas como dizia Mário Quintana : "As respostas certas não interessam, o que realmente interessa são as perguntas certas"

3 de out. de 2009

Memória é coisa recente.
Até ontem, quem lembrava?
A coisa veio antes,
ou, antes, foi a palavra?
Ao perder a lembrança.
grande coisa não se perde.
Nuvens, são sempre brancas.
O mar? Continua verde.



Paulo Leminski

1 de out. de 2009

"As lagrimas que não choramos esperam em algum lago? "

Pablo Neruda

30 de set. de 2009

Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.


Pablo Neruda

28 de set. de 2009

Assim que vi você
Logo vi que ia dar coisa
Coisa feita pra durar,
Batendo duro no peito
Até eu acabar virando
Alguma coisa
Parecida com você
Parecia ter saído
De alguma lembrança antiga
Que eu nunca tinha vivido,
Mas ia viver um dia
Alguma coisa perdida
Que eu nunca tinha tido
Alguma voz amiga
Esquecida no meu ouvido
Agora não tem mais jeito,
Carrego você no peito
Poema na camiseta
Com a tua assinatura
Já nem sei se é você mesmo
Ou se sou eu que virei alguma coisa tua

26 de set. de 2009

Achei um 3x4 teu e não quis acreditar
Que tinha sido há tanto tempo atrás
Um bom exemplo de bondade e respeito
Do que o verdadeiro amor é capaz
A minha escola não tem personagem
A minha escola tem gente de verdade
Alguém falou do fim-do-mundo,
O fim-do-mundo já passou
Vamos começar de novo:
Um por todos, todos por um

O sistema é mau, mas minha turma é legal
Viver é foda, morrer é difícil
Te ver é uma necessidade
Vamos fazer um filme

O sistema é mau, mas minha turma é legal
Viver é foda, morrer é difícil
Te ver é uma necessidade
Vamos fazer um filme
E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?
E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?

Sem essa de que: "Estou sozinho."
Somos muito mais que isso
Somos pingüim, somos golfinho
Homem, sereia e beija-flor
Leão, leoa e leão-marinho
Eu preciso e quero ter carinho, liberdade e respeito
Chega de opressão:
Quero viver a minha vida em paz
Quero um milhão de amigos
Quero irmãos e irmãs
Deve de ser cisma minha
Mas a única maneira ainda
De imaginar a minha vida
É vê-la como um musical dos anos trinta
E no meio de uma depressão
Te ver e ter beleza e fantasia.

E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?
E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?
E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?
E hoje em dia, vamos Fazer um filme
Eu te amo
Eu te amo
Eu te amo

23 de set. de 2009


Caros, será uma honra contar com a presença de quem puder ir!

Abraços!

Será nesta sexta-feira (25), no Sarau da Confraria Tucuju, lá no formigueiro!

21 de set. de 2009

O Poeta é a mãe das armas
& das Artes em geral -
alô poetas: poesia
no país do carnaval;
alô, malucos: poesia
não tem nada a ver com os versos
dessa estação muito fria.

O Poeta é a mãe das Artes
& das armas em geral:
quem não inventa as maneiras
do corte no carnaval
(alô malucos), é traidor
da poesia: não vale nada, lodal.

A poesia é o pai das ar-
timanhas de sempre: quent
ura no forno quente
do lado de cá, no lar
das coisas malditíssimas;
alô poetas: poesia!
poesia poesia poesia poesia!
o poeta não se cuida ao ponto
de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo
já sabe: não está cortando nada
além de minha bandeira
sem aura nem baúra, sem nada mais para contar
isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. a
r : em primeiríssimo , o lugar.

poetemos pois


Torquato Neto

18 de set. de 2009

tente outra coisa
tente ver as coisas
de um modo diferente
tente outra cor
e se não for amor
outro tipo de gente
tente ver além
do que você já tem
à sua frente

tente um mundo novo
uma nova era
tudo pode estar te esperando
tudo pode estar
onde menos se espera

tente a todo instante
só o que manda o instinto
tente refrigerante
vinho branco e vinho tinto
tente ser Brasil
de um povo Heróico
um brado retumbante
tente o mundo todo

tente todo mundo
ninguém vai ficar te esperando
tudo pode estar
onde menos se espera

tente outra coisa
tente ver as coisas
de um modo diferente
por cima do muro
por baixo dos panos
tente outra vez
o que você já fez
de um modo diferente

tente um mundo novo
uma nova era
tudo pode mudar
tudo pode estar
onde menos se espera

tudo pode mudar
tudo pode estar
onde menos se espera

tudo pode mudar
tudo pode pintar
de quem menos se espera

numa noite de inverno
tarde de outono
ou manhã de primavera
tudo virar
pode ser verão

quando menos se espera...


Egenheiros do Hawaii

16 de set. de 2009


Sou quem sou, simplesmente mulher, não fujo, nem nego,
Corro risco, atropelo perigo, avanço sinal, ignoro avisos.
Procuro viver, sem medo, sem dor, com calor, aconchego,
Supro carências, rego desejos, desabrocho em risos...

Matéria cobiçada... na tez macia, no calor ardente.
Alma pura, envolta em completa fissura. Sem frescuras!
Encontro prazer na forma completa, repleta, latente.
Meretriz sem pudor,mulher no ponto, uva madura!

Sou quadro abstrato, me entrego no ato à paixão que aflora.
Sou enigma permanente, sem ponto final, sem continências,
Sou mulher tão somente, vivendo o momento, sorvendo as horas.

Sou pétala recolhida, sem forma, sem cor, completa em essência.
Exalo a esperança, transpiro vontades. Não me tenhas senhora.
Sou mulher insolúvel, nada volúvel. Vivo a vida em reticências...

Ângela Bretas

15 de set. de 2009

“ Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em taltal não amanhece ainda a primavera.
Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações
tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa cravos.

Pablo Neruda

14 de set. de 2009

se tudo pode acontecer
se pode acontecer qualquer coisa
um deserto florescer
uma nuvem cheia não chover

pode alguém aparecer
e acontecer de ser você
um cometa vir ao chão
um relâmpago na escuridão

e a gente caminhando de mão dada
de qualquer maneira
eu quero que esse momento dure a vida inteira
e além da vida ainda de manhã no outro dia
se for eu e você
se assim acontecer

se tudo pode acontecer…


Alice Ruiz

13 de set. de 2009

Entre as lembranças que cada um de nós traz consigo, algumas há que so contamos aos amigos. Outras nem aos amigos revelariamos, mas apenas a nós mesmos e ainda assim em segredo. Finalmente, há outras coisas que o homem tem medo de contar até a si mesmo, e cada homem honesto conserva bom número dessas lembranças guardadas em sua ment.

D.

9 de set. de 2009

Se um autor faz você voltar atrás na leitura, seja de um período ou de uma simples frase, não o julgue profundo demais, não fique complexado: o inferior é ele.

A atual crise de expressão, que tanto vem alarmando a velha-guarda que morre mas não se entrega, não deve ser propriamente de expressão, mas de pensamento. Como é que pode escrever certo quem não sabe ao certo o que procura dizer?

Em meio à intrincada selva selvaggia de nossa literatura encontram-se às vezes, no entanto, repousantes clareiras. E clareira pertence à mesma família etimológica de clareza... Que o leitor me desculpe umas considerações tão óbvias. É que eu desejava agradecer, o quanto antes, o alerta repouso que me proporcionaram três livros que li na última semana: Rio 1900 de Brito Broca, Fronteira, de Moysés Vellinho e Alguns Estudos, de Carlos Dante de Moraes.

Porque, ao ler alguém que consegue expressar-se com toda a limpidez, nem sentimos que estamos lendo um livro: é como se o estivéssemos pensando.

E, como também estive a folhear o velho Pascall, na edição Globo, encontrei providencialmente em meu apoio estas palavras, à pág. 23 dos Pensamentos:
"Quando deparamos com o estilo natural, ficamos pasmados e encantados, como se esperássemos ver um autor e encontrássemos um homem".


Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo


7 de set. de 2009

Vivemos num eterno júri, onde somos juizes, réus, jurados, acusados, acusadores, apontadores de dedo na cara de alguém e alguem com o dedo apontado na nossa. Nesse vice-versa de personagens em que momento você encontra o equilibrio?

Equilibrio e distorção.



Camila Karina


3 de set. de 2009

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?

Leminski

2 de set. de 2009

Hoje que a tarde é calma e o céu tranqüilo, E a noite chega sem que eu saiba bem, Quero considerar-me e ver aquilo Que sou, e o que sou o que é que tem. (..)
Serei eu, porque nada é impossível, Vários trazidos de outros mundos, e No mesmo ponto espacial sensível Que sou eu, sendo eu por `'star aqui ?
Serei eu, porque todo o pensamento Podendo conceber, bem pode ser, Um dilatado e múrmuro momento, De tempos-seres de quem sou o viver ?
Fernando Pessoa

1 de set. de 2009

Já notou que eu te amo
Ou você pensa
Que toda vez que eu ligo
É por engano?

Já sacou que é meu vício
Minha droga
Meu barato
Ou vou ter que curtir a rebordosa

Em algum hospício?

Pra me deixar normal
Só uma overdose de você
Pra me pirar legal
Só uma dose dupla desse mal


Alice Ruiz

28 de ago. de 2009

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

Mário Quintana
Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.

Clarice Lispector

27 de ago. de 2009

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos a fora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa


Leminski

25 de ago. de 2009



Que fique muito mal explicado
Não faço força pra ser entendido
Quem faz sentido é soldado
Para todos os efeitos meus defeitos não são meus

Que importa o sentido se tudo vibra?

Não importa o sentido
O bramido do meu canto mudo
Comporta bemóis e sustenidos
Convoca ouvidos surdos
Ao silêncio suave
Da melodia sem conteúdo

Está escrito
Quem não quiser ceder
ao canto das páginas
feche os olhos
ou tape com cera os ouvidos


Alice Ruiz

24 de ago. de 2009

Eu, eu mesmo...

Eu, cheio de todos os cansaços

Quantos o mundo pode dar.—

Eu...

Afinal tudo, porque tudo é eu,

E até as estrelas, ao que parece,

Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...

Que crianças não sei...

Eu...

Imperfeito? Incógnito? Divino?

Não sei...

Eu...

Tive um passado? Sem dúvida...

Tenho um presente? Sem dúvida...

Terei um futuro? Sem dúvida...

A vida que pare de aqui a pouco...

Mas eu, eu...

Eu sou eu,

Eu fico eu,

Eu...



Álvaro de Campos

21 de ago. de 2009

- O que você está pensando?

-Penso que...

- Eu pensei também em algo, que não tem sentido pensar, mas diga, o que você sente?

- Eu sinto que...

- Acho que pensar e sentir nao estão na mesma rota, mas continue, o que você dizia que pensa e sente?

- Amor

- Isso tudo é engano. Não se engane em pensar que sente. Você acha que sente amor?

-Eu te amo!

- Acho que já vou.

-Boa noite.


Camila Karina

19 de ago. de 2009

Todas as convergências de pensamentos tornam-se nulas (momentâneamente), ou tomam outro tipo de direcionamento que me coloca numa estrada nova. Não sei se tenho medo. Só o fato de pensar pode ser classificado como sentir? Repito, não sei.

Quero tranquilidade, mas não necessáriamente me acomodar. É possivel olhar várias vezes para o mesmo lugar e manter e melhorar a idéia todas as vezes?

Tudo é possivel, senão algumas palavras não existiriam.


Camila Karina

18 de ago. de 2009




O cansaço de todas as ilusões e de tudo que há nas ilusões - a perda delas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perdê-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.

A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes - brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias - que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.



Bernardo Soares (Fernando Pessoa, também)

14 de ago. de 2009

"Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia."

Tenho que escolher o que detesto — ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.

Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar, ou agir, misturo uma coisa com outra.


Trechos do Livro do Desassossego (por Bernardo Soares, ocultamente, Fernando Pessoa)
Desejaria construir um código de inércia para os superiores nas sociedades modernas. A sociedade governar-se-ia espontaneamente e a si própria, se não contivesse gente de sensibilidade e de inteligência. Acreditem que é a única coisa que a prejudica. As sociedades primitivas tinham uma feliz existência mais ou menos assim. Pena é que a expulsão dos superiores da sociedade resultaria em eles morrerem, porque não sabem trabalhar. E talvez morressem de tédio, por não haver espaços de estupidez entre eles. Mas eu falo do ponto de vista da felicidade humana. Cada superior que se manifestasse na sociedade seria expulso para a Ilha’ dos superiores. Os superiores seriam alimentados, como animais em jaula, pela sociedade normal. Acreditem: se não houvesse gente inteligente que apontasse os vários mal- estares humanos, a humanidade não dava por eles. E as criaturas de sensibilidade fazem sofrer os outros por simpatia. Por enquanto, visto que vivemos em sociedade, o único dever dos superiores é reduzirem ao mínimo a sua participação na vida da tribo. Não ler jornais, ou lê-los só para saber o que de pouco importante e curioso se passa. Ninguém imagina a volúpia que arranco ao noticiário sucinto das províncias. Os meros nomes abrem-me portas sobre o vago. O supremo estado honroso para um homem superior é não saber quem é o chefe de Estado do seu país, ou se vive sob monarquia ou sob república. Toda a sua atitude deve ser colocar-se a alma de modo que a passagem das coisas, dos acontecimentos não o incomode. Se o não fizer terá que se interessar pelos outros, para cuidar de si próprio.

Bernardo Soares, um dos semi-heterônimos de Fernando Pessoa (o cara!)

10 de ago. de 2009

Discorrer sobre pensamentos nem sempre é aliviar a alma, mas ajuda.

Cada um coloca as pontes ou barreiras onde quer, mesmo que insconcientemente. Mas sinceramente, acredito que todas elas sejam conscientes.

O que eu quero? Nâo faço idéia.

Mas o que não quero já tenho idéias bem claras.


Camila Karina

7 de ago. de 2009

O filme é baseado no romance “Revolutionary Road” de Richard Yates, com o roteiro de Justin Haythe. Discorre sobre um pequeno drama familiar (casal entra em crise após o fracasso do plano de se mudar de Connecticut para Paris) ele elabora um raro exemplar de tragédia existencial cinematográfica.Mais uma de Sam Mendes (Beleza Americana)

A protagonista é vivida por Kate Winslet, já premiada por este papel no Globo de Ouro. Poucas vezes o cinema conseguiu demonstrar tão sinteticamente os impasses culturais de um período da história americana como este Foi Apenas Um Sonho. Focaliza um casal que se une logo após o fim da Segunda Guerra e cujo casamento coincide com a consolidação do sistema econômico que só agora vemos entrar em crise nos Estados Unidos.

A monótona vidinha de classe média – definida pelo lúcido lunático interpretado por Michael Shannon, como “the hopeless emptyness” (o vazio desesperador) – incomoda o vaidoso personagem de Leonardo DiCaprio, mas é a esposa quem concebe a idéia de se mudar para a Europa e “passar a viver de fato”.

No entanto, os obstáculos a essa meta se mostram tão intransponíveis quanto insidiosos, ou seja, se encontram em tudo, em todas as coisas e pessoas. Exatamente como era a expressão dos desígnios divinos, na tragédia clássica. Insistindo na comparação, o filme também tem um coro (os vizinhos e amigos), um mago portador da verdade (o já citado maluco de Michael Shannon), sem falar na sangrenta catarse do final.

Os personagens simbolizam os pais da geração que se encontra atualmente transtornada pela crise econômica: dessa gente que atravessou a adolescência nos anos 60, experimentou a rebeldia e depois se integrou ao sistema, chegando agora à aposentadoria. Na pele da heroína, a encantadora rebelde que todos queríamos ter sido, Kate Winslet verbaliza a consciência do filme na frase: “ninguém se esquece da verdade, apenas se aprende a mentir melhor”.

Esse filme realmente mecheu com meus pensamentos/sentimentos.

Fonte: desconhecida.


6 de ago. de 2009

quando chove,
eu chovo,
faz sol,
eu faço,
de noite,
anoiteço,
tem deus,
eu rezo,
não tem,
esqueço,
chove de novo,
de novo, chovo,
assobio no vento,
daqui me vejo,
lá vou eu,
gesto no movimento

Paulo Leminski

5 de ago. de 2009

A clareza falsa, rígida, não-lar dos hospitais

A alegria humana, vivaz, sobre o caso da vizinha

Da mãe inconsolável a que o filho morreu há um ano

Trapos somos, trapos amamos, trapos agimos —

Que trapo tudo que é este mundo!


Álvaro de Campos (para os íntimos, Fernando Pessoa)

3 de ago. de 2009

Foi você chegar e virou canção
Tudo se encantou,
Conectou
Você me abraçou
Mão na minha mão
E tudo vibrou
Eletrizou
Não peço nada demais
Teu calor, teu carinho,
Tão pouco
Teus braços, teus beijos,
Teu corpo (..)

Alice Ruiz

2 de ago. de 2009

Birds flying high you know how I feel
Sun in the sky you know how I feel
Breeze driftin' on by you know how I feel


It's a new dawn
It's a new day
It's a new life
For me
And I'm feeling good

Fish in the sea you know how I feel
River running free you know how I feel
Blossom on the tree you know how I feel


Dragonfly out in the sun you know what I mean, don't you know
Butterflies all havin' fun you know what I mean
Sleep in peace when day is done
That's what I mean

And this old world is a new world
And a bold world
For me

Stars when you shine you know how I feel
Scent of the pine you know how I feel
Oh freedom is mine
And I know how I feel


Nina Simone

31 de jul. de 2009

(..) O que é essencial é sentir directamente e com ingenuidade as coisas - árvores ou máquinas, campo ou cidade. A m[inha] sensibilidade predispõe-me a sentir a máquina mais do que a árvore, a cidade mais do que o campo. Não deixo por isso de ter direito ao nome de poeta.

O essencial é sentir directa e simplesmente. Eu sinto directa e simplesmente. Sinto o complexo, o anormal e o artificial? É o meu modo de sentir. Logo que eu os sinta espontaneamente, estou no meu lugar, no lugar que a Natureza, criando-me assim, me impôs. Cumpro o meu dever. Chamam-me um «transviado». Não o sou. [...] Nasci para sentir as coisas simplesmente, tanto como vós; eu não nasci, como vós para sentir só as coisas simples. Se eu sou eu e não vós, para que hei-de escrever como escreveis? Escrevo [...] em mim é eu ser eu. Em que sou eu «transviado» em ser eu?

Para mim o único modo de transviar é criar um sistema, ou pertencer a um sistema. Há horas do dia em que sou materialista [?] e outras em que sou ultramontano, completamente ultramontano. É conforme sinto. Acho isto natural.

Se, como a grande maioria da gente, eu [...], se eu fosse panteísta, espiritualista, protestante, católico (...), qualquer coisa que se saiba o que é e se pode definir, eu mereceria o nome de transviado. Apenas vejo nunca pertencendo a um sistema ou a uma filosofia, mas pertencendo a um cérebro e a um sistema nervoso, e estes têm um modo de sentir e não uma religião, ou uma estética, ou uma moral qualquer.


Fernando Pessoa, sendo Álvaro de Campos
"Eu já não luto contra o tempo,
Isso já não faz sentido não estou mais vazia
E não vou sentir inveja,
Pois carrego comigo um pouco da tua luz

Tua voz presente, o mundo na tua voz"

Wado

30 de jul. de 2009

Recebi um convite da jornalista Márcia Correa (realmente adorei esse jogo!), muito interessante para entrar no jogo virtual da pág. 161. Funciona assim: A gente recebe o convite de quem já está participando, escolhe o livro que quiser, publica no blog a quinta frase (ou parágrafo) da página 161. Depois é só escolher outras três pessoas amigas que escrevam na internet e passar à frente a brincadeira.

O exercício de reler um livro que você gosta e buscar a pág. 161 é até mesmo surpreendente, pois é capaz de "casar"com algum momento peculiar. Escolho o livro de um dos meus escritores/poetas favoritos: Fernando Pessoa, Livro do Desassossego:

Trecho: "Vi há pouco, em uma montra de loja de brinquedos, umas coisas que exatamente me lembraram o que essas expressões são. Vi, em pratos fingidos, manjares fingidos para mesas de bonecas. Ao homem que existe, sensual, egoísta, vaidoso, amigo dos outros porque tem o dom da fala, inimigo dos outros porque tem o dom da vida, a esse homem que há que oferecer com que brinque às bonecas com palavras vazias de som e tom?"

Indico para a brincadeira, Cynara, do blog Chocolate Quente , Danúbia Vilhena, do blog Casulo de Idéias e André, do blog O símbolo
Quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante

Paulo Leminski

29 de jul. de 2009



Quem nunca viu
que a flor, a faca e a fera
tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
na fraca carne,
um pouco menos, um pouco mais,
quem nunca viu
a ternura que vai
no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.

Paulo Leminski

Pensaram por aqui

 

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