14 de ago. de 2009

Desejaria construir um código de inércia para os superiores nas sociedades modernas. A sociedade governar-se-ia espontaneamente e a si própria, se não contivesse gente de sensibilidade e de inteligência. Acreditem que é a única coisa que a prejudica. As sociedades primitivas tinham uma feliz existência mais ou menos assim. Pena é que a expulsão dos superiores da sociedade resultaria em eles morrerem, porque não sabem trabalhar. E talvez morressem de tédio, por não haver espaços de estupidez entre eles. Mas eu falo do ponto de vista da felicidade humana. Cada superior que se manifestasse na sociedade seria expulso para a Ilha’ dos superiores. Os superiores seriam alimentados, como animais em jaula, pela sociedade normal. Acreditem: se não houvesse gente inteligente que apontasse os vários mal- estares humanos, a humanidade não dava por eles. E as criaturas de sensibilidade fazem sofrer os outros por simpatia. Por enquanto, visto que vivemos em sociedade, o único dever dos superiores é reduzirem ao mínimo a sua participação na vida da tribo. Não ler jornais, ou lê-los só para saber o que de pouco importante e curioso se passa. Ninguém imagina a volúpia que arranco ao noticiário sucinto das províncias. Os meros nomes abrem-me portas sobre o vago. O supremo estado honroso para um homem superior é não saber quem é o chefe de Estado do seu país, ou se vive sob monarquia ou sob república. Toda a sua atitude deve ser colocar-se a alma de modo que a passagem das coisas, dos acontecimentos não o incomode. Se o não fizer terá que se interessar pelos outros, para cuidar de si próprio.

Bernardo Soares, um dos semi-heterônimos de Fernando Pessoa (o cara!)

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