Sempre prezei minha regra interna : "Todos temos direito de sentir
raiva". E sempre levo isso comigo, mas não de maneira negativa e sim, de
que, posso a qualquer momento, me dar o direito de me revoltar e me
indignar. Claro, isso soa um tanto egoísta quando acontece algo alheio à
vontade das pessoas, e a partir disso, a minha regra tomou um sentido
diferente. Hoje, ao pegar o ônibus, no meio do caminho o "bicho"
quebrou. Ora pois, andamos todos os dias em latas velhas, sucata, mas é o
que tem para todo dia. Mas isso não foi o fim do mundo, e por incrível
que pareça, nem para os outros passageiros que estavam ali dentro. Nosso
primeiro impulso foi reclamar com o motorista, mas quando ele levantou
do volante encharcado de suor, a cena me levou à pensamentos que me
abalaram. E aconteceu uma conversa com as pessoas ao meu redor dizendo
que, o motorista não tinha culpa, o ônibus por si só era o culpado, e o
rapaz estava ali há horas rodando, sem tomar água, sem comer, lutando
pelo seu salário de cada dia, e felizmente, muitas pessoas concordaram.
Outras culparam o prefeito, outras o governo, mas eles não vem ao caso (
apesar de ser um caso sério). O cobrador falou bem baixinho para mim:
"A empresa não está nem aí para o motorista, para o cobrador". Eu até um
tempo também não estava, mas comecei a estar. Além disso, o que me
sensibilizou foi o fato, a conversa que aconteceu ali no ônibus. Ninguém
estava com seus celulares, grudados no WhatsApp, twitter ou facebook.
Estávamos ali, interagindo tradicionalmente, tendo uma conversa de
verdade, falando de política pública, trabalho, luta diária, esperas
intermináveis por melhorias. Uma senhora me ofereceu banana frita, outra
ofereceu jujuba.Talvez eu nunca mais encontre com essas pessoas, mas
senti como se fossem velhos conhecidos. Tudo isso me fez esperar o outro
ônibus com uma paciência incrível. Isso me gera lágrima nos olhos ao
escrever, porque todos os dias, temos nossa rotina cronometrada, em
busca de trabalhar, dar o melhor para ter o beneficio no fim do mês e
esquecemos de olhar para o próximo e pensar com clareza quando acontece
algo que nos afeta negativamente. Seria bom pensar não só no "o que
aconteceu" mas também pensar no "porque aconteceu". Todo mundo tem um
dia ruim, mas podemos dar um jeito nisso gastando apenas uns minutos
para balancear o que pode ser feito de bom naquele momento. Eu poderia
protestar neste texto por um transporte público mais digno, mas hoje
priorizei a interação menos ordinária e mais verdadeira.
Reflexões do Busão
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